CAPACulturaDestaque

Museu de Salvador vai receber cerca de 750 obras de artistas negros repatriadas dos EUA

Uma coleção de 727 obras de arte afro-brasileira, que estava nos Estados Unidos, está sendo trazida de volta ao Brasil. Produzidas principalmente por artistas negros da Bahia, Pernambuco e Ceará, as peças foram adquiridas legalmente por duas colecionadoras americanas, que agora as doaram ao Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), localizado em Salvador (BA).

Especialistas do museu afirmam que esta é a maior repatriação de arte afro-brasileira no país. O Muncab é dedicado a preservar, documentar, difundir e valorizar as culturas de matrizes africanas.

A repatriação, prevista para o segundo semestre de 2025, inclui esculturas de ferro e madeira, pinturas, gravuras e objetos de caráter religioso e folclórico. Essas obras são classificadas como “arte popular” por serem criadas por artistas autodidatas, sem formação nas escolas tradicionais de arte.

Entre as obras está Procissão da Irmandade da Boa Morte, pintura de Lena da Bahia (1941-2015), retratando um cortejo afrocatólico realizado pela primeira vez em 1820 por africanas libertas que pediam proteção à Nossa Senhora. A coleção é uma importante adição ao Muncab, que reabriu em novembro do ano passado. Segundo Jamile Coelho, diretora-administrativa do museu, a repatriação fortalece o debate sobre a contribuição da população negra para as artes visuais no Brasil e questiona a classificação hierárquica que, por vezes, categoriza os acervos afro-brasileiros como “populares” e “primitivos”.

O professor Kleber Amancio, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e pesquisador visitante da Harvard University, destaca que o retorno dessas obras ocorre em um momento de mudanças nas universidades públicas brasileiras, impulsionadas pela presença de estudantes e professores negros por meio de políticas de ação afirmativa.

A coleção foi reunida ao longo de trinta anos pelas colecionadoras Marion Jackson, professora emérita de História da Arte da Universidade de Michigan, e Barbara Cervenka, artista e monja dominicana. “Agora, os artistas, suas famílias e comunidades poderão ver suas obras expostas em um museu de prestígio”, celebra Jackson.

A repatriação dessas peças coincide com o debate internacional sobre a devolução de patrimônios culturais adquiridos no período colonial. Contudo, diferentemente de outros casos, as obras afro-brasileiras foram adquiridas legalmente. O processo de repatriação envolve o Instituto Con/vida, criado pelas doadoras, o Instituto Ibirapitanga, o Ministério da Cultura, o Itamaraty e a Embaixada dos Estados Unidos, conforme explica Cintia Maria, diretora-geral do Muncab. “Este processo abre portas para que o Muncab se torne um ponto de referência na recuperação de acervos afro-brasileiros, com a expectativa de que outras oportunidades surjam a partir dessa experiência”, afirma.

Desde o movimento Black Lives Matter, especialmente após a morte de George Floyd em 2020, processos de repatriação artística têm sido mais frequentes. Com o objetivo de aumentar a presença de artistas negros em instituições de arte, o Muncab tem promovido exposições coletivas, oficinas, cursos e palestras. Cintia Maria revela que uma das ações mais importantes do museu é a criação de um fundo patrimonial para apoiar a produção e o desenvolvimento dos artistas negros, permitindo que eles se dediquem à arte sem a necessidade de outros empregos.

Paralelamente à doação, o Muncab apresenta a exposição Raízes: Começo, Meio e Começo, com mais de 200 obras de arte clássica e contemporânea de 80 artistas negros. A exposição atende ao interesse crescente pela estética negra nas artes. Desde sua reabertura em novembro de 2023, o Muncab já recebeu cerca de 150 mil visitantes, com mostras como Um defeito de cor, que agora está em São Paulo.

A exposição é organizada em cinco eixos temáticos – “Origens”, “Sagrado”, “Ruas”, “Afrofuturismo” e “Bembé do Mercado” – e propõe uma narrativa que ultrapassa a lógica ocidental linear, destacando a ancestralidade como chave para compreender o presente e construir o futuro.

SERVIÇO: Exposição ‘Raízes: Começo, Meio e Começo’

Local: Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab)

Endereço: Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico de Salvador, Bahia

Período: Até 9 de março de 2025

Horário: Terça a domingo, das 10h às 17h (acesso até 16h30)

Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)

Gratuidade: Quartas-feiras e domingos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Facebook
Facebook
YouTube
Instagram