Pesquisa aponta possível localização de antigo cemitério de escravizados em Salvador
Um estudo conduzido pela arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), aponta indícios de que um cemitério de escravizados pode estar situado onde hoje funciona o estacionamento da Pupileira, no bairro de Nazaré, em Salvador. A área pertence à Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
A pesquisa se baseou na análise de mapas históricos e imagens de satélite, permitindo à pesquisadora identificar um local que possivelmente serviu como cemitério. Segundo Olivieri, o espaço teria sido criado no século XVIII e funcionado por cerca de 150 anos, até ser fechado em 1844.
Além de escravizados, o local também pode ter sido utilizado para o sepultamento de pessoas pobres, indigentes, suicidas e encarcerados, incluindo possíveis participantes da Revolta dos Búzios, Revolução Pernambucana e Revolta dos Malês.
Inicialmente administrado pela Câmara Municipal e posteriormente pela Santa Casa de Misericórdia, o cemitério desapareceu com o tempo da paisagem urbana de Salvador. Para Olivieri, escavações no local poderiam revelar vestígios de um capítulo da história que teria sido intencionalmente apagado.
“Essa descoberta tem o potencial de questionar as bases coloniais e racistas da cidade. Sabemos que práticas coloniais tendem a apagar memórias e vestígios de violências, perpetuando esse esquecimento. O cemitério está relacionado ao direito à memória, à verdade e ao luto. Seu reconhecimento pode ter um impacto enorme, pois se trata de um apagamento deliberado”, afirmou a pesquisadora.
Ministério Público acompanha pesquisa e avalia escavações
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) está acompanhando o estudo e, em 29 de janeiro, realizou uma reunião para discutir a possibilidade de escavações na área. O encontro foi conduzido pelo promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac), e contou com a participação de representantes da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) e da pesquisadora Silvana Olivieri.
O objetivo da reunião foi debater um termo de cooperação que permita a realização das escavações no estacionamento da Pupileira. A Santa Casa tem até 24 de fevereiro para decidir se assinará o acordo.
Para a promotora de Justiça Cristina Seixas, a possível confirmação da existência do cemitério seria um marco na história de Salvador e da Bahia, podendo revelar um dos primeiros cemitérios públicos da cidade.
“Esse é um momento crucial para resgatar a memória desse cemitério, que abrigou os restos mortais de muitas pessoas negras que, na época, não eram valorizadas. Além disso, há a possibilidade de encontrar vestígios de pessoas que participaram da Revolta dos Malês e de outros movimentos pela liberdade dos escravizados no Brasil”, destacou Seixas.
Caso a localização do cemitério seja confirmada, a descoberta representará um avanço significativo na preservação da memória e da história da população negra em Salvador.